domingo, 15 de novembro de 2009

Textos

Para os curiosos e interessados, estão disponíveis na web o meu trabalho sobre viola caipira, apresentada como dissertação de mestrado, um texto sobre melancolia e a o trabalho sobre música sertaneja, defendida este ano como tese de doutorado.
Estes textos estão disponíveis no site do MUSA (Núcleo de Estudos de Arte, Cultura e Sociedade na América Latina e Caribe), núcleo vinculado ao programa de pós-graduação em Antropologia da UFSC. Coordenado pelo prof. Rafael José de Menezes Bastos, o MUSA congrega diversas pessoas interessadas nesta articulação entre antropologia e música. No site estão disponíveis diversos trabalhos destes pesquisadores. Vale pena.

Para os meus textos: http://www.musa.ufsc.br/docs/allan.htm

Para o site de MUSA: http://www.musa.ufsc.br/

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Impressão.

Hoje escutei muito, mas muito, o primeiro disco de Moacir Santos, "Coisas", lançado em 1965. Absurdo, para dizer o mínimo.
Mas não foi para tecer loas que estou escrevendo.
É apenas para dividir uma impressão: lá pelas tantas, me peguei ouvindo Duke Ellington dentro da música de Moacir Santos. A forma dos arranjos, a maneira como ele explora os timbres. Parecido, na música instrumental, eu só havia escutado nas orquestrações de Ellington.
Será entusiasmo de primeira audição?

P.S: para os curiosos, um link para um tema que não paro mais de assoviar:

domingo, 16 de agosto de 2009

A Bossa Nova e o "cantar baixinho"

Sempre que se fala em Bossa Nova, aponta-se dois elementos: a batida do violão de João Gilberto e seu jeito de cantar. Ambos são apresentados como “a” novidade trazida por este estilo de música”. Quando se lê o livro de Ruy Castro – Chega de Saudade (Companhia das Letras, 1991) – se sai da leitura convencido que João Gilberto é um inventor. Ruy Castro reforça o mito do gênio. Há um capítulo dedicado ao grande mistério da Bossa Nova: o período de aproximadamente dois anos durante os quais João Gilberto ficou fora do Rio de Janeiro. Segundo o livro, ele passou por Porto Alegre, Diamantina, Juazeiro e Salvador, e foi neste período que ele inventou a batida e o jeito de cantar. De um fã e imitador de Orlando Silva, o cantor baiano passara a cantar baixinho, num estilo desenvolvido a partir da própria intuição.
Adianto-me: João Gilberto é um dos meus artistas prediletos. Seu disco homônimo de 1973 (com gravações de “Eu quero um samba”, de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida; “Eu vim da Bahia”, de Gilberto Gil; “Falsa Baiana”, de Geraldo Pereira; “Águas de Março”, de Jobim) ocupa um lugar central nos meus afetos sonoros e é, pra mim, um dos melhores discos que já escutei na vida. No entanto, sempre fiquei com a “pulga atrás da orelha” e me pergunto: até que ponto a Bossa Nova era nova mesmo? Até que ponto aquele jeito de cantar e de tocar violão era novo? Não que eu duvide de Ruy Castro. Seu livro é uma delícia e é uma leitura obrigatória para quem quer conhecer os bastidores da Bossa Nova e o ambiente musical da Zona Sul carioca nos anos 40, 50 e 60. Porém, o leio como um mito e, como todos os mitos (o mesmo vale para a História) ele é apenas um entre os possíveis. Desse modo, reforço a pergunta: seria possível pensar a Bossa Nova não como ruptura na história da música brasileira – que é o que Ruy Castro apresenta, uma grande ruptura – mas como uma continuidade de coisas que já existiam?
Seria injusto com Ruy Castro afirmar que esta visão de ruptura lhe é exclusiva. A historiografia da música popular brasileira, de um modo geral, enfatiza a ruptura. E a Bossa foi sim uma ruptura. Ruy Castro, tomado aqui como índice de uma tendência mais ampla, tem razão. Porém, aqui não cabe o “ou” exclusivo: ou isto ou aquilo. Ela foi um ruptura e uma continuidade. E é a este último ponto que, tenho a impressão, não damos tanta atenção.
O próprio Ruy Castro dá algumas pistas, ao apresentar os “precursores” do jeito de cantar de João Gilberto. Nomes como Lúcio Alves, Tito Madi, Dick Farney, Johnny Alf, Silvinha Telles já cantavam de forma mais intimista antes de 1958 – data da gravação de “Chega de Saudade”. Mas Ruy Castro os apresenta como exceções – por isso, “precursores” – num universo marcado pelo estilo de cantar oposto, aquele com traços operísticos, central no estilo de cantar de um Vicente Celestino, um Jorge Goulart, um Gilberto Milfond ou um Paraguassu, por exemplo. “Cantores de opereta” é uma expressão que aparece no livro para designar os cantores que utilizam este estilo. Minha pergunta reside exatamente aí: seriam mesmo exceções?
João Gilberto tem um estilo de canto que, de fato, era mais intimista ainda do que seus contemporâneos. Basta ouvir suas gravações e as de Dick Farney, por exemplo. João Gilberto deixou o canto ainda mais intimista, mas de forma alguma ele “inventou” aquilo ou desenvolveu algo que uma meia-dúzia de cantores, apenas, fazia. Já havia uma tradição na música popular brasileira de um canto mais intimista. Talvez a palavra exata fosse: coloquial. Desde os anos 20, havia cantores cantando mais coloquialmente, sem impostações operísticas. O ponto é que Ruy Castro olhou apenas para a Zona Sul do Rio de Janeiro. Olhasse mais atentamente para o que se fazia no Estácio, por exemplo, desde os anos 30, e ele veria que esse canto coloquial era muito mais popular e praticado do que parece. Cantores como Aracy Cortes, Mário Reis, o próprio Francisco Alves, ou ainda, o sensacional Cyro Monteiro, já cantavam sem impostar a voz. O próprio Ruy Castro escreveu a biografia de Carmem Miranda. O que era Carmem cantando? Em todos estes cantores, um jeito coloquial de cantar já estava presente. João Gilberto “apenas” tornou a coisa ainda mais intimista. Talvez as pessoas da Zona Norte do Rio não tenham se interessado pela Bossa Nova não porque ela era difícil de ouvir, mas sim porque não havia nada de extremamente novo ali.
Influência do jazz?... Bem, toda a produção musical da “turma do Estácio” (Ismael Silva, Bide, Noel e outros) baseava-se, em termos de arranjos, numa fusão entre a percussão e os naipes de metais típicos das big bands americanas (basta ouvir “Se você jurar” ou “Agora é cinza”, gravadas em 1932 e 1933, respectivamente). A zona norte do Rio já dialogava com o jazz (sem fazer alarde) desde os anos 20. Os estudos sobre samba, atualmente, têm enfatizado que para falar da entrada do jazz na música brasileira, o nome central é Pixinguinha e sua produção na segunda metade dos anos 20 e na década de 30.
Repito: não se trata aqui de apontar um erro histórico. Nada disso. Para muitos jovens cariocas, João Gilberto, de fato, “inventou” aquele jeito de cantar. Essa é a história deles. O livro de Ruy Castro é a história de uma geração. Uma vez mais, contudo: se saímos de Ipanema e damos uma volta no Estácio, vemos que a história pode ser outra.

domingo, 29 de março de 2009

À propósito do sub-título

Porque Lévi-Strauss deveria ter ido num forró de pé-de-serra? Talvez assim ele fosse menos ranzinza com a música produzida no século XX... Isto é uma brincadeira para chamar a atenção para um dos textos mais interessantes de Lévi-Strauss. Trata-se da sua introdução para a sua obra “O Cru e o Cozido”, publicada em 1964, e que abre a série “Mitológicas” – a gigantesca análise estrutural de mitos levada a cabo pelo autor em quatro livros publicados entre 1964 e 1971 (a editora Cosac&Naify está publicando toda a série).
Lévi-Strauss afirmou em diversos momentos que seu método de análise estrutural cabia perfeitamente no estudo de determinados objetos: o parentesco, a mitologia e .... a música. Embora não tenha escrito nenhuma obra especificamente sobre música (ele publicou um livro sobre artes em 1992), Lévi-Strauss sempre chamou a atenção para o fato de ser possível observar na música erudita produzida no Ocidente, entre os séculos XII e XIX, muitos dos elementos analisados por ele nos mitos americanos. A música, para ele, portanto, aparece como um objeto propenso à análise estrutural, e é isto que ele deixa claro na introdução de “O Cru e o Cozido”. Trabalhos recentes sobre a música de sociedades indígenas na América do Sul têm dialogado profundamente com a obra de Lévi-Strauss e utilizado várias de suas análises nas Mitológicas.
Apesar de se declarar um amante da música, a preferência musical de Lévi-Strauss recai sobre a música erudita do século XIX. Ele se declara avesso, ou ainda, surdo às inovações musicais pós-1920. É desta forma que ele nega qualquer interesse ao dodecafonismo ou à música concreta, por exemplo. Já ouvi de vários músicos críticas a este caráter “conservador” de Lévi-Strauss. Todas elas, contudo, esquecem que este “conservadorismo” se deve ao fato de Lévi-Strauss ver na música o lugar, por excelência, no qual o Ocidente encerrou uma determinada forma de pensamento (aquela relativa ao pensamento mítico). Estas inovações, para ele, escapam a este pensamento e, por isso, não lhe interessam.
Sobre a música popular ele jamais deu qualquer declaração. Se ele tivesse ido num forró de pé-de-serra, talvez a história fosse diferente...


À propósito do título

Se o leitor reparar a foto que ilustra o título do blog, verá que ela possui uma pequena legenda na sua parte inferior direita. Está escrito: "Jazz Band do Cipó". Ela dá o espírito deste blog: a idéia de que a música popular não é um fenômeno que se internacionalizou com o tempo, devido a globalizações e outras cositas más... Ela já nasceu internacional, na sua origem. Aliás, com muitas décadas de antecedência, a música popular já se constituía em um fato social que só podia ser compreendido dentro de um quadro internacional de trocas. O melhor exemplo talvez seja esta foto, tirada nos anos 20, no interior do Nordeste. É uma bandinha de pífaros, como a de Caruaru. O que faziam? Provavelmente animavam festas locais, comunitárias. Era pra dançar então? Sim, e por isso, o jazz band incorporado ao nome. Pois era assim, pela dança, que boa parte do mundo tomou conhecimento do jazz. É bem possível que estas pessoas tenham ouvindo falar de jazz através de algum exibidor de cinema ou radialista que tivesse passado pelo interior. Pode ser que Cipó fosse um lugar, pode que Cipó seja um dos músicos. Pouco importa aqui. Se o mundo inteiro, à época, ouvia e dançava jazz, por que Cipó se daria ao luxo de não fazê-lo? Se Louis Armstrong, Donga e Pixinguinha, Stephanie Grappelli e Django Reinhardt, tinham suas jazz-bands ou orquestras, porque Cipó não teria a sua? Daí a jazz-band do Cipó.
O título deste blog, portanto, tenta apenas levar a sério este caráter internacional da música popular. Ele não nega os nacionalismos. Sim, há uma música popular brasileira; uma música popular argentina; uma música popular polonesa e por aí afora. Mas todas são construções a posteriori de um discurso internacional. Não há nada de novo nisto e qualquer DJ de baile funk do Rio de Janeiro, músico de chicha no Peru Andino ou guitarrista de highlife nigeriano (que mistura jazz, cumbias e reggaes todas as noites) sabe disto de cor e salteado. Todos sabem que o que se toca sob o nome de "música popular de algum lugar" é, antes de tudo, uma atualização de uma música popular de todos os lugares. Em outros posts, esta idéia aparecerá com outros exemplos. Por hora, fica apenas este nome, Coltrane's Samba Club, um clube onde se toca Bjork, John Coltrane, Fela Kuti, Tião Carreiro e Pardinho, Tati Quebra-Barraco, Britney Spears e a Banda de Pífaros de Caruaru. Este é um clube aberto, eclético, e a única coisa que ele pede a seus freqüentadores é que deixem de lado, por um instante, aquelas dicotomias criadas pelo gosto (que todos temos) e vejam a música como um meio de falar de pessoas. Pois é disto que se trata, de gente.

P.S: Para quem gostou da foto da Jazz-Band do Cipó, ela faz parte da biografia de Pixinguinha, escrita por Sérgio Cabral. Chama-se Pixinguinha: Vida e Obra, e foi publicada pela editora carioca Lumiar, em 1992.

Prelúdio (pequenininho, para não cansar o ouvinte)

Este blog é a reencarnação de uma tentativa anterior de disponibilizar na web algumas idéias sobre as quais venho trabalhando há um bom tempo. Desde 2002 tomei como mote de trabalho uma "antropologia da música", tarefa que me levou a conhecer pessoas (às quais devo muito) e idéias outras. Aqui pretendo apenas compartilhar perguntas e inquietações - talvez daí, resultem possíveis respostas. Menos que respostas, porém, o intuito aqui é jogar perguntas no ar. Se este blog, desta maneira, conseguir "cutucar" outras pessoas, o Coltrane's Samba Club já tera feito seu carnaval...

A todos, benvindos.