domingo, 29 de março de 2009

À propósito do sub-título

Porque Lévi-Strauss deveria ter ido num forró de pé-de-serra? Talvez assim ele fosse menos ranzinza com a música produzida no século XX... Isto é uma brincadeira para chamar a atenção para um dos textos mais interessantes de Lévi-Strauss. Trata-se da sua introdução para a sua obra “O Cru e o Cozido”, publicada em 1964, e que abre a série “Mitológicas” – a gigantesca análise estrutural de mitos levada a cabo pelo autor em quatro livros publicados entre 1964 e 1971 (a editora Cosac&Naify está publicando toda a série).
Lévi-Strauss afirmou em diversos momentos que seu método de análise estrutural cabia perfeitamente no estudo de determinados objetos: o parentesco, a mitologia e .... a música. Embora não tenha escrito nenhuma obra especificamente sobre música (ele publicou um livro sobre artes em 1992), Lévi-Strauss sempre chamou a atenção para o fato de ser possível observar na música erudita produzida no Ocidente, entre os séculos XII e XIX, muitos dos elementos analisados por ele nos mitos americanos. A música, para ele, portanto, aparece como um objeto propenso à análise estrutural, e é isto que ele deixa claro na introdução de “O Cru e o Cozido”. Trabalhos recentes sobre a música de sociedades indígenas na América do Sul têm dialogado profundamente com a obra de Lévi-Strauss e utilizado várias de suas análises nas Mitológicas.
Apesar de se declarar um amante da música, a preferência musical de Lévi-Strauss recai sobre a música erudita do século XIX. Ele se declara avesso, ou ainda, surdo às inovações musicais pós-1920. É desta forma que ele nega qualquer interesse ao dodecafonismo ou à música concreta, por exemplo. Já ouvi de vários músicos críticas a este caráter “conservador” de Lévi-Strauss. Todas elas, contudo, esquecem que este “conservadorismo” se deve ao fato de Lévi-Strauss ver na música o lugar, por excelência, no qual o Ocidente encerrou uma determinada forma de pensamento (aquela relativa ao pensamento mítico). Estas inovações, para ele, escapam a este pensamento e, por isso, não lhe interessam.
Sobre a música popular ele jamais deu qualquer declaração. Se ele tivesse ido num forró de pé-de-serra, talvez a história fosse diferente...


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