sábado, 24 de setembro de 2011

Wagner no cinema


Uma das experiências sonoras relativamente comuns no século XIX era a audição de uma orquestra sinfônica sem a intermediação de tecnologia. Era uma relação física com a orquestra. Formação musical que começa a se desenvolver no século XVI, a orquestra ganhou sua forma atual no final do século XVIII e comecinho do século XIX. De tal forma que a música do século XIX é marcada por uma exploração incessante das possibilidades sonoras de uma orquestra. Tal exploração ganhou uma dimensão inaudita no final do século XIX, nas mãos de compositores como Wagner, Richard Strauss, Shostakovich, dentre outros, e adentrou o século XX com figuras como Mahler ou mesmo Stravinski. Imagino, porque nunca vivi, que a experiência de ouvir a "Sagração da Primavera" com uma orquestra de primeira linha tocando ao vivo deve ser única. Uma experiência física que não é melhor ou pior que aquela mediada pela tecnologia, mas diferente, única. Imagino que há determinados elementos do som de uma orquestra - o peso, por exemplo - que a tecnologia não pode reproduzir da mesma forma. O mesmo raciocínio vale para um show de alguma banda praticantes de tendências atuais do metal - speed metal, black metal, coisas assim. Pode-se ouvir no CD ou em mp3, mas escutá-las ao vivo tem uma intensidade física única.
Pois o novo filme de Lars von Trier, Melancholia, permite isto. A trilha sonora é, em grande parte, trechos de Tristão e Isolda, a ópera que Wagner apresentou pela primeira vez em 1865. E é já na abertura do filme que o espectador tem a oportunidade de ouvir Wagner de uma forma cada vez mais difícil: com um volume e um peso só possíveis ao vivo ou mediadas por uma tecnologia como o cinema. A abertura do filme (uma sucessão longa de imagens do filme, hiper-produzidas) tem como fundo a abertura da ópera de Wagner e permite o espectador/ouvinte experimentar a sensação física da música orquestral do final do século XIX. É verdade que é só a abertura (incompleta) da ópera, mas vale a pena. O curioso é que o cinema não explora muito esta sonoridade orquestral mais, na falta de um termo melhor, dramática. O uso de música orquestral em cinema tem uma característica muito mais impressionista, com pequenos motivos criados para produzir um "clima", ao estilo Debussy, do que um caráter dramático, narrativo, como a música de Wagner. E depois que o cinema descobriu Philipp Glass (com seus minimalismos sonoros), então, este tipo de narrativa musical tornou-se cada vez mais rara.
A abertura de Melancholia, neste sentido, lembra, nos termos da experiência, aquela proporcionada por Stanley Kubrick em 1968, quando combinou Richard Strauss e uma sucessão de imagens que fizeram história no cinema, em "2011: Uma Odisséia no Espaço". Kubrick foi ainda mais longe e trouxe Giorgy Ligeti para a trilha sonora. Em ambos os casos o resultado foi a sensação de que certos filmes, em parte por sua música, são feitos para ver no cinema e não há home theater que substitua isto.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Rock pra festival

Começa hoje o Rock in Rio, quarta edição realizada no Brasil (a primeira é de 1985). Ótimo momento para jogar a perguntinha para os historiadores: por quais processos festivais se tornaram o filão da indústria da música? Isto já tem uma história de 4 décadas. Tradicionalmente, 1967 é o ano apontado como o começo da febre de festivais pop/rock, com o Monterrey Pop Festival, nos EUA, em junho daquele ano - festival que foi central nas carreiras de Janis Joplin e Jimi Hendrix, já que foi o evento que projetou ambos para um público mais amplo dentro dos EUA (tem um documentário clássico sobre o festival, de D. A. Pennebaker). De lá para cá, a coisa só cresceu e ganhou um adicional, a partir dos anos 80: o patrocínio de megaempresas, como Coca-Cola, Sony e Philipp Morris. Ou seja, tem coisa para estudar aí. Já me deparei com alguns livros que trazem a história dos festivais, mas na forma de crônicas ou reportagens ou enfatizando a participação dos artistas, de forma biográfica. É o caso do livro de Marley Brant, Join Together: forty years of rock music festival. Mas estudos sobre os processos sociais envolvidos nisto, até onde tenho percebido, ainda são poucos.

Música, simplesmente


Simplesmente sensacional o novo livro de Alex Ross, "Escuta Só". Ross é crítico de música, desde 1996, na revista New Yorker e sua especialidade é "música clássica" - termo que ele confessa odiar na primeira fase do livro ("eu odeio a música clássica: não a coisa, mas o nome"). Contudo, "Escuta Só" é um apanhado de textos longos publicados na New Yorker sobre vários tópicos musicais. Há textos sobre música clássica na China, uma releitura das biografias de Mozart, textos sobre Verdi e John Cage. Mas há também muita música popular: Ross escreveu dois "perfis", a partir de um acompanhamento e entrevistas em turnês, de Bjork e Radiohead. Por eles ficamos sabendo, por exemplo, da relação intríseca de Bjork com a música coral (quem já ouviu Medulla, o disco da cantora de 2004, sabe desta relação) e do peso desta na cultura islandesa (Ross comenta que se cada 5 entre 10 jovens islandeses já tocaram ou tocam numa banda de rock, 9 entre 10 islandeses cantam ou já cantaram num coral); ou da dinâmica de trabalho do Radiohead (uma das minhas paixões musicais, diga-se).
Mas o texto mais bacana, penso, é o capítulo 2: "Chacona, lamento, walking blues: linhas de baixo na história da música". Ross convida o leitor a perceber o desenvolvimento, na música ocidental (e sua recorrência em outras culturas) do uso da linha de baixo em notas cromáticas descendentes, como tópica relativa à melancolia. Para isto ele faz uso de uma série de exemplos musicais (disponíveis para o leitor no blog www.therestisnoise.com/listentothis) que vão desde chaconas do século XVI, como Un sarao de la chacona, de Juan Arañes até a introdução de Dazed and Confused, do Led Zeppellin - umas linhas de baixo mais famosas da história do rock - passando por exemplos de peças de Bach, Mozart, o romantismo do século XIX e temas do blues no século XX.
Além de "Escuta Só", outro livro de Ross está disponível para o público brasileiro: "O Resto é ruído: escutando o século XX", sobre música contemporânea. Ambos saíram pela Companhia das Letras. Vale a pena fuçar.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Chuck Berry Fields Forever

Chuck Berry Fields Forever é o título de uma canção de Gilberto Gil, lançada em 1976, no show dos Doces Bárbaros. Rock é nosso tempo, diz a letra. Por isso, vale a pena conferir o texto do historiador e professor do curso de música da Faculdade de Artes do Paraná, André Egg, publicado na excelente revista Amalgama.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Políticas do corpo ou o rebolado da Dona Miriam.

Ser negro na África do Sul entre os anos 30 e 90 não era fácil. Já não era antes, mas depois dos anos 30 só piorou. E ser negro com projeção internacional deveria ser ainda mais complicado. Miriam Makeba é um bom exemplo disto. Em 1959 foi cantar na Europa e o governo sul-africano, em pleno período de aumento do apartheid, não deixou ela voltar. Fez carreira no exterior e em 1964 apareceu mundialmente com o hit "Pata Pata" (Zuenir Ventura, em "1968: o ano que não terminou" cita a canção como um hit da época e nos anos 90 foi gravada com letra em português pela sumida Daúde). Achei um vídeo da Miriam. Deve ser da segunda metade dos anos 60. Em dois momentos do vídeo ela faz um rebolado que me fez entender o porquê do exílio. Para aqueles descendentes de holandeses que governaram a África do Sul em boa parte do século XX, aquele rebolado, de fato, era um atentado à segurança nacional. Uma pessoa com boas intenções não rebola daquele jeito. É um rebolado "capitu" - feito com "olhos de ressaca" - e só quem já se apaixonou por alguém rebolando assim (num samba ou num forró da vida) sabe o perigo que um rebolado desses é capaz de causar. Um rebolado destes não combina com instituições sérias como "família monogâmica" ou com conceitos mais sérios ainda como "poder pátrio". Imagino que nos anos 60 muitos militantes sulafricanos, anti-apartheid, pensavam em partidos ou em movimentos políticos, mas não há como negar que, de alguma forma, Miriam Makeba e seu rebolado também eram um perigo político. Reparem que no primeiro rebolado (1:10) ela diz "Everybody starts movin'...". Ou seja, incita ao rebolado. E no segundo rebolado (1:55), o câmera do vídeo entendeu a proposta e abriu a distância da fotografia. Certamente, caso estivesse inserido em uma "família monogâmica", teve que se explicar em casa depois. Em suma: essa Miriam Makeba, com esse rebolado, era um perigo.


Escrevo estas linhas com um certo humor que não quer, no entanto, fugir ao ponto central: a relação da música popular com o corpo. Um dos aspectos que, ao meu ver, nos estudos sobre música popular, tem sido negligenciado, é o fato de que a música popular, esse fenômeno da modernidade industrial (segunda metade do século XIX), tem uma relação intrínseca com o corpo. O que chamamos de música popular, me parece, nasce para se DANÇAR. O tango surge música para a dança. O samba, idem. O jazz: a mesma coisa. Todos surgem para serem dançados. E pior: para serem dançados em par. Cangote com cangote.
Recentemente vi uma palestra de um doutorando em filosofia que propunha uma nova abordagem da música mais atenta ao pulso (algo na linha de O Som e o Sentido, de José Miguel Wisnik). Por si a proposta é bacana, mas a palestra se revelou outra coisa. Criticando a surdez da tradição ocidental para o pulso, o palestrante sugeriu que trouxéssemos este elemento para primeiro plano, sobretudo na área de educação musical. "Vai cair na música popular", pensei. Não: citando o Olodum, comentou que também a música popular subestima a percussão e o pulso, pois estes elementos, não raros, ficam presos a regularidades. Uma fala do palestrante, também percussionista, deixou claro a questão: "nada mais chato para um pandeirista do que tocar num grupo de choro. É sempre a mesma coisa".
Mas eis o ponto central: a novidade não está no que o músico faz, mas na platéia. Em 1944, Charlie Parker e Dizzie Gillespie começaram a tocar suas inovações musicais, que recebeu no final da década, o nome de bebop. Há muita coisa escrita sobre a música do bebop. Mas há uma foto que, a meu ver, é extremamente sintomática do que era o bebop (em relação ao estilo de jazz cronologicamente anterior, o swing). É uma foto de um night club, com um quinteto de jazz (trompete, sax, piano, baixo e batera: ou seja, a formação consagrada pelo bebop). No pé do palco um cartaz dizia: "No dancing, please". Para alguns músicos, o bebop era uma revolução musical, com inovações melódicas, harmônicas e rítmicas. Para muita gente, no entanto, era uma música que não se podia dançar. Em suma: talvez a dança, mais do que a idéia de mercadoria, tenha sido o primeiro código de apropriação da música popular. Se olhasse também para a platéia do Olodum, dançando, talvez o rapaz da palestra acima visse a música popular com outros olhos.
Nos últimos 30 anos, trabalhos historiográficos, sociológicos e antropológicos sobre música popular conseguiram escapar de uma tendência mais antiga que demonizava a música popular por seu caráter mercadológico - tendência que tem em Adorno seu nome central. Se conseguimos escapar à Adorno, ainda não escapamos à pouca atenção dada a esta relação intrínseca entre a música popular e o corpo. Atentos a esta relação talvez compreendamos ainda mais profundamente (e deixemos de lado uma certa "má-vontade") "coisas" como o Arrocha (o ritmo mais popular da Bahia, atualmente), a cumbia villera (verdadeira febre na periferia de Buenos Aires) ou a psicodelia da chicha peruana dos anos 70.

Fim de pausa

Há quase dois anos que não escrevo neste espaço. Retomo-o com a mesma idéia com a qual ele foi criado. E não pretendo deixá-lo tão cedo.

domingo, 15 de novembro de 2009

Textos

Para os curiosos e interessados, estão disponíveis na web o meu trabalho sobre viola caipira, apresentada como dissertação de mestrado, um texto sobre melancolia e a o trabalho sobre música sertaneja, defendida este ano como tese de doutorado.
Estes textos estão disponíveis no site do MUSA (Núcleo de Estudos de Arte, Cultura e Sociedade na América Latina e Caribe), núcleo vinculado ao programa de pós-graduação em Antropologia da UFSC. Coordenado pelo prof. Rafael José de Menezes Bastos, o MUSA congrega diversas pessoas interessadas nesta articulação entre antropologia e música. No site estão disponíveis diversos trabalhos destes pesquisadores. Vale pena.

Para os meus textos: http://www.musa.ufsc.br/docs/allan.htm

Para o site de MUSA: http://www.musa.ufsc.br/

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Impressão.

Hoje escutei muito, mas muito, o primeiro disco de Moacir Santos, "Coisas", lançado em 1965. Absurdo, para dizer o mínimo.
Mas não foi para tecer loas que estou escrevendo.
É apenas para dividir uma impressão: lá pelas tantas, me peguei ouvindo Duke Ellington dentro da música de Moacir Santos. A forma dos arranjos, a maneira como ele explora os timbres. Parecido, na música instrumental, eu só havia escutado nas orquestrações de Ellington.
Será entusiasmo de primeira audição?

P.S: para os curiosos, um link para um tema que não paro mais de assoviar:

domingo, 16 de agosto de 2009

A Bossa Nova e o "cantar baixinho"

Sempre que se fala em Bossa Nova, aponta-se dois elementos: a batida do violão de João Gilberto e seu jeito de cantar. Ambos são apresentados como “a” novidade trazida por este estilo de música”. Quando se lê o livro de Ruy Castro – Chega de Saudade (Companhia das Letras, 1991) – se sai da leitura convencido que João Gilberto é um inventor. Ruy Castro reforça o mito do gênio. Há um capítulo dedicado ao grande mistério da Bossa Nova: o período de aproximadamente dois anos durante os quais João Gilberto ficou fora do Rio de Janeiro. Segundo o livro, ele passou por Porto Alegre, Diamantina, Juazeiro e Salvador, e foi neste período que ele inventou a batida e o jeito de cantar. De um fã e imitador de Orlando Silva, o cantor baiano passara a cantar baixinho, num estilo desenvolvido a partir da própria intuição.
Adianto-me: João Gilberto é um dos meus artistas prediletos. Seu disco homônimo de 1973 (com gravações de “Eu quero um samba”, de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida; “Eu vim da Bahia”, de Gilberto Gil; “Falsa Baiana”, de Geraldo Pereira; “Águas de Março”, de Jobim) ocupa um lugar central nos meus afetos sonoros e é, pra mim, um dos melhores discos que já escutei na vida. No entanto, sempre fiquei com a “pulga atrás da orelha” e me pergunto: até que ponto a Bossa Nova era nova mesmo? Até que ponto aquele jeito de cantar e de tocar violão era novo? Não que eu duvide de Ruy Castro. Seu livro é uma delícia e é uma leitura obrigatória para quem quer conhecer os bastidores da Bossa Nova e o ambiente musical da Zona Sul carioca nos anos 40, 50 e 60. Porém, o leio como um mito e, como todos os mitos (o mesmo vale para a História) ele é apenas um entre os possíveis. Desse modo, reforço a pergunta: seria possível pensar a Bossa Nova não como ruptura na história da música brasileira – que é o que Ruy Castro apresenta, uma grande ruptura – mas como uma continuidade de coisas que já existiam?
Seria injusto com Ruy Castro afirmar que esta visão de ruptura lhe é exclusiva. A historiografia da música popular brasileira, de um modo geral, enfatiza a ruptura. E a Bossa foi sim uma ruptura. Ruy Castro, tomado aqui como índice de uma tendência mais ampla, tem razão. Porém, aqui não cabe o “ou” exclusivo: ou isto ou aquilo. Ela foi um ruptura e uma continuidade. E é a este último ponto que, tenho a impressão, não damos tanta atenção.
O próprio Ruy Castro dá algumas pistas, ao apresentar os “precursores” do jeito de cantar de João Gilberto. Nomes como Lúcio Alves, Tito Madi, Dick Farney, Johnny Alf, Silvinha Telles já cantavam de forma mais intimista antes de 1958 – data da gravação de “Chega de Saudade”. Mas Ruy Castro os apresenta como exceções – por isso, “precursores” – num universo marcado pelo estilo de cantar oposto, aquele com traços operísticos, central no estilo de cantar de um Vicente Celestino, um Jorge Goulart, um Gilberto Milfond ou um Paraguassu, por exemplo. “Cantores de opereta” é uma expressão que aparece no livro para designar os cantores que utilizam este estilo. Minha pergunta reside exatamente aí: seriam mesmo exceções?
João Gilberto tem um estilo de canto que, de fato, era mais intimista ainda do que seus contemporâneos. Basta ouvir suas gravações e as de Dick Farney, por exemplo. João Gilberto deixou o canto ainda mais intimista, mas de forma alguma ele “inventou” aquilo ou desenvolveu algo que uma meia-dúzia de cantores, apenas, fazia. Já havia uma tradição na música popular brasileira de um canto mais intimista. Talvez a palavra exata fosse: coloquial. Desde os anos 20, havia cantores cantando mais coloquialmente, sem impostações operísticas. O ponto é que Ruy Castro olhou apenas para a Zona Sul do Rio de Janeiro. Olhasse mais atentamente para o que se fazia no Estácio, por exemplo, desde os anos 30, e ele veria que esse canto coloquial era muito mais popular e praticado do que parece. Cantores como Aracy Cortes, Mário Reis, o próprio Francisco Alves, ou ainda, o sensacional Cyro Monteiro, já cantavam sem impostar a voz. O próprio Ruy Castro escreveu a biografia de Carmem Miranda. O que era Carmem cantando? Em todos estes cantores, um jeito coloquial de cantar já estava presente. João Gilberto “apenas” tornou a coisa ainda mais intimista. Talvez as pessoas da Zona Norte do Rio não tenham se interessado pela Bossa Nova não porque ela era difícil de ouvir, mas sim porque não havia nada de extremamente novo ali.
Influência do jazz?... Bem, toda a produção musical da “turma do Estácio” (Ismael Silva, Bide, Noel e outros) baseava-se, em termos de arranjos, numa fusão entre a percussão e os naipes de metais típicos das big bands americanas (basta ouvir “Se você jurar” ou “Agora é cinza”, gravadas em 1932 e 1933, respectivamente). A zona norte do Rio já dialogava com o jazz (sem fazer alarde) desde os anos 20. Os estudos sobre samba, atualmente, têm enfatizado que para falar da entrada do jazz na música brasileira, o nome central é Pixinguinha e sua produção na segunda metade dos anos 20 e na década de 30.
Repito: não se trata aqui de apontar um erro histórico. Nada disso. Para muitos jovens cariocas, João Gilberto, de fato, “inventou” aquele jeito de cantar. Essa é a história deles. O livro de Ruy Castro é a história de uma geração. Uma vez mais, contudo: se saímos de Ipanema e damos uma volta no Estácio, vemos que a história pode ser outra.

domingo, 29 de março de 2009

À propósito do sub-título

Porque Lévi-Strauss deveria ter ido num forró de pé-de-serra? Talvez assim ele fosse menos ranzinza com a música produzida no século XX... Isto é uma brincadeira para chamar a atenção para um dos textos mais interessantes de Lévi-Strauss. Trata-se da sua introdução para a sua obra “O Cru e o Cozido”, publicada em 1964, e que abre a série “Mitológicas” – a gigantesca análise estrutural de mitos levada a cabo pelo autor em quatro livros publicados entre 1964 e 1971 (a editora Cosac&Naify está publicando toda a série).
Lévi-Strauss afirmou em diversos momentos que seu método de análise estrutural cabia perfeitamente no estudo de determinados objetos: o parentesco, a mitologia e .... a música. Embora não tenha escrito nenhuma obra especificamente sobre música (ele publicou um livro sobre artes em 1992), Lévi-Strauss sempre chamou a atenção para o fato de ser possível observar na música erudita produzida no Ocidente, entre os séculos XII e XIX, muitos dos elementos analisados por ele nos mitos americanos. A música, para ele, portanto, aparece como um objeto propenso à análise estrutural, e é isto que ele deixa claro na introdução de “O Cru e o Cozido”. Trabalhos recentes sobre a música de sociedades indígenas na América do Sul têm dialogado profundamente com a obra de Lévi-Strauss e utilizado várias de suas análises nas Mitológicas.
Apesar de se declarar um amante da música, a preferência musical de Lévi-Strauss recai sobre a música erudita do século XIX. Ele se declara avesso, ou ainda, surdo às inovações musicais pós-1920. É desta forma que ele nega qualquer interesse ao dodecafonismo ou à música concreta, por exemplo. Já ouvi de vários músicos críticas a este caráter “conservador” de Lévi-Strauss. Todas elas, contudo, esquecem que este “conservadorismo” se deve ao fato de Lévi-Strauss ver na música o lugar, por excelência, no qual o Ocidente encerrou uma determinada forma de pensamento (aquela relativa ao pensamento mítico). Estas inovações, para ele, escapam a este pensamento e, por isso, não lhe interessam.
Sobre a música popular ele jamais deu qualquer declaração. Se ele tivesse ido num forró de pé-de-serra, talvez a história fosse diferente...


À propósito do título

Se o leitor reparar a foto que ilustra o título do blog, verá que ela possui uma pequena legenda na sua parte inferior direita. Está escrito: "Jazz Band do Cipó". Ela dá o espírito deste blog: a idéia de que a música popular não é um fenômeno que se internacionalizou com o tempo, devido a globalizações e outras cositas más... Ela já nasceu internacional, na sua origem. Aliás, com muitas décadas de antecedência, a música popular já se constituía em um fato social que só podia ser compreendido dentro de um quadro internacional de trocas. O melhor exemplo talvez seja esta foto, tirada nos anos 20, no interior do Nordeste. É uma bandinha de pífaros, como a de Caruaru. O que faziam? Provavelmente animavam festas locais, comunitárias. Era pra dançar então? Sim, e por isso, o jazz band incorporado ao nome. Pois era assim, pela dança, que boa parte do mundo tomou conhecimento do jazz. É bem possível que estas pessoas tenham ouvindo falar de jazz através de algum exibidor de cinema ou radialista que tivesse passado pelo interior. Pode ser que Cipó fosse um lugar, pode que Cipó seja um dos músicos. Pouco importa aqui. Se o mundo inteiro, à época, ouvia e dançava jazz, por que Cipó se daria ao luxo de não fazê-lo? Se Louis Armstrong, Donga e Pixinguinha, Stephanie Grappelli e Django Reinhardt, tinham suas jazz-bands ou orquestras, porque Cipó não teria a sua? Daí a jazz-band do Cipó.
O título deste blog, portanto, tenta apenas levar a sério este caráter internacional da música popular. Ele não nega os nacionalismos. Sim, há uma música popular brasileira; uma música popular argentina; uma música popular polonesa e por aí afora. Mas todas são construções a posteriori de um discurso internacional. Não há nada de novo nisto e qualquer DJ de baile funk do Rio de Janeiro, músico de chicha no Peru Andino ou guitarrista de highlife nigeriano (que mistura jazz, cumbias e reggaes todas as noites) sabe disto de cor e salteado. Todos sabem que o que se toca sob o nome de "música popular de algum lugar" é, antes de tudo, uma atualização de uma música popular de todos os lugares. Em outros posts, esta idéia aparecerá com outros exemplos. Por hora, fica apenas este nome, Coltrane's Samba Club, um clube onde se toca Bjork, John Coltrane, Fela Kuti, Tião Carreiro e Pardinho, Tati Quebra-Barraco, Britney Spears e a Banda de Pífaros de Caruaru. Este é um clube aberto, eclético, e a única coisa que ele pede a seus freqüentadores é que deixem de lado, por um instante, aquelas dicotomias criadas pelo gosto (que todos temos) e vejam a música como um meio de falar de pessoas. Pois é disto que se trata, de gente.

P.S: Para quem gostou da foto da Jazz-Band do Cipó, ela faz parte da biografia de Pixinguinha, escrita por Sérgio Cabral. Chama-se Pixinguinha: Vida e Obra, e foi publicada pela editora carioca Lumiar, em 1992.

Prelúdio (pequenininho, para não cansar o ouvinte)

Este blog é a reencarnação de uma tentativa anterior de disponibilizar na web algumas idéias sobre as quais venho trabalhando há um bom tempo. Desde 2002 tomei como mote de trabalho uma "antropologia da música", tarefa que me levou a conhecer pessoas (às quais devo muito) e idéias outras. Aqui pretendo apenas compartilhar perguntas e inquietações - talvez daí, resultem possíveis respostas. Menos que respostas, porém, o intuito aqui é jogar perguntas no ar. Se este blog, desta maneira, conseguir "cutucar" outras pessoas, o Coltrane's Samba Club já tera feito seu carnaval...

A todos, benvindos.