sábado, 24 de setembro de 2011

Wagner no cinema


Uma das experiências sonoras relativamente comuns no século XIX era a audição de uma orquestra sinfônica sem a intermediação de tecnologia. Era uma relação física com a orquestra. Formação musical que começa a se desenvolver no século XVI, a orquestra ganhou sua forma atual no final do século XVIII e comecinho do século XIX. De tal forma que a música do século XIX é marcada por uma exploração incessante das possibilidades sonoras de uma orquestra. Tal exploração ganhou uma dimensão inaudita no final do século XIX, nas mãos de compositores como Wagner, Richard Strauss, Shostakovich, dentre outros, e adentrou o século XX com figuras como Mahler ou mesmo Stravinski. Imagino, porque nunca vivi, que a experiência de ouvir a "Sagração da Primavera" com uma orquestra de primeira linha tocando ao vivo deve ser única. Uma experiência física que não é melhor ou pior que aquela mediada pela tecnologia, mas diferente, única. Imagino que há determinados elementos do som de uma orquestra - o peso, por exemplo - que a tecnologia não pode reproduzir da mesma forma. O mesmo raciocínio vale para um show de alguma banda praticantes de tendências atuais do metal - speed metal, black metal, coisas assim. Pode-se ouvir no CD ou em mp3, mas escutá-las ao vivo tem uma intensidade física única.
Pois o novo filme de Lars von Trier, Melancholia, permite isto. A trilha sonora é, em grande parte, trechos de Tristão e Isolda, a ópera que Wagner apresentou pela primeira vez em 1865. E é já na abertura do filme que o espectador tem a oportunidade de ouvir Wagner de uma forma cada vez mais difícil: com um volume e um peso só possíveis ao vivo ou mediadas por uma tecnologia como o cinema. A abertura do filme (uma sucessão longa de imagens do filme, hiper-produzidas) tem como fundo a abertura da ópera de Wagner e permite o espectador/ouvinte experimentar a sensação física da música orquestral do final do século XIX. É verdade que é só a abertura (incompleta) da ópera, mas vale a pena. O curioso é que o cinema não explora muito esta sonoridade orquestral mais, na falta de um termo melhor, dramática. O uso de música orquestral em cinema tem uma característica muito mais impressionista, com pequenos motivos criados para produzir um "clima", ao estilo Debussy, do que um caráter dramático, narrativo, como a música de Wagner. E depois que o cinema descobriu Philipp Glass (com seus minimalismos sonoros), então, este tipo de narrativa musical tornou-se cada vez mais rara.
A abertura de Melancholia, neste sentido, lembra, nos termos da experiência, aquela proporcionada por Stanley Kubrick em 1968, quando combinou Richard Strauss e uma sucessão de imagens que fizeram história no cinema, em "2011: Uma Odisséia no Espaço". Kubrick foi ainda mais longe e trouxe Giorgy Ligeti para a trilha sonora. Em ambos os casos o resultado foi a sensação de que certos filmes, em parte por sua música, são feitos para ver no cinema e não há home theater que substitua isto.

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